Documentos da Agência Brasileira de Inteligência enviados à CPI das ONGS e acessados com exclusividade por O Liberal dizem que consórcio financiado por agência governamental norte-americana USAID pode configurar tentativa de interferência externa na região e facilitar até a biopirataria. Comissão abriu nova frente de investigação.
(Valter Campanato / Agência Brasil)
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura a atuação de ONGs na Amazônia abriu uma nova frente de investigação que aponta para riscos de espionagem, biopirataria e manipulação de comunidades tradicionais na região mais cobiçada do planeta. Documentos entregues pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) ao colegiado, e obtidos com exclusividade por O Liberal, mostram como organizações do terceiro setor respondem a interesses externos e, por vezes, conflitantes com os do governo brasileiro.
Em um conjunto de relatórios que chega a 490 páginas, a ABIN cita o financiamento internacional como motriz da atuação dessas ONGs, e aponta para “tentativas de interferência externa” na região mais cobiçada do planeta. A Agência Brasileira de Inteligência cita a USAID, a agência do governo dos Estados Unidos da América para Assistência Humanitária e Econômica a outros países, como uma das principais fontes financiadoras dessas atividades.
Segundo a ABIN relata, a USAID seria responsável pela terceirização de ações de ONGs de grande porte, como o Instituto Socioambiental (ISA), a World Wide Fund for Nature (WWF) e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Algumas delas envolvem ações de monitoramento via satélite de estradas, comunidades tradicionais e tipologias florestais. Também são listadas outras fontes de financiamentos internacionais, como fundações privadas estrangeiras.
Em um dos trechos, o documento indica que "tais organizações não governamentais buscam influenciar organizações indígenas e povos tradicionais no sentido contrário ao da construção de obras de infraestrutura projetadas pelo governo brasileiro". Segundo avalia a ABIN, isso resultaria em dificuldades impostas a obras de infraestrutura, além de tensionamento de relações entre essas comunidades e agentes governamentais brasileiros.
A construção de usinas hidrelétricas na região amazônica é apontada com um dos pontos sensíveis pelo relatório. A ABIN indica que, após a desapropriação de áreas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, houve determinante ação de ONGs para incentivar famílias a se instalarem às margens do rio Contigo - para, no futuro, justificar a existência comunidades e, assim, barrar o início da construção da Hidrelétrica de Contigo.
Conforme citam os documentos da ABIN, essa atuação se converteu em “padrão que se tornou rotina na região amazônica sempre que se cogita uma obra de infraestrutura”.
A inteligência brasileira ressalva que, por vezes, são percebidas atuações relevantes para as comunidades locais e para a preservação ambiental por parte das ONGs em parceria com o poder público. Mas a ABIN pontua, entretanto, que "permanecem implicações de ordem política, uma vez que o posicionamento dessas organizações - materializado em campanhas midiáticas - frequentemente entra em conflito com projetos de infraestrutura na região". Neste ponto o documento cita a Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, no Pará, que enfrentou forte oposição de segmentos da sociedade civil internacional.
Manifestações e protestos com mobilização de ONGs transnacionais marcaram a construção de Belo Monte e do complexo hidrelétrico de Tapajós. “Firmaram ‘pacto de forças’ para lançamento de mobilização mundial pelos direitos dos índios e contra a construção da UHE (Usina Hidrelétrica) Belo Monte e outras UHEs em áreas indígenas e incluem: reivindicações e manifestações junto a organismo internacionais multilaterais; visitas a ONGs europeias; reuniões e encontros com lideranças indígenas nacionais e internacionais; abaixo assinados, filmes e vídeos”, segue o documento da ABIN.
Os documentos condensados neste relatório foram produzidos entre os anos de 2002 e 2023.
A ABIN atua com a missão de antecipar fatos e situações que possam impactar na segurança da sociedade e do estado brasileiro. Uma vez que a agência não tem poder de polícia, os relatórios produzidos ficam à disposição do governo para que seja dado encaminhamento e definidas ações posteriores.
‘Estamos abrindo uma caixa preta’, diz presidente da CPI das ONGs
Na avaliação do senador Plínio Valério (PSDB-AM), presidente da CPI das ONGs no Senado, os relatórios da ABIN reforçam uma linha de apuração que era perseguida pelo colegiado, a de mostrar quem financia as organizações que atuam na Amazônia.
“O que a ABIN diz, e a gente vem mostrando, é que além de falar que essas ONGs têm relacionamentos internacionais, elas são financiadas por grandes fundos internacionais. É o que estamos querendo: abrir a caixa preta e mostrar para o Brasil o quanto essas ONGs ambientalistas são perniciosas e fazem mal ao Brasil.
Elas aceitam dinheiro de governos estrangeiros para influenciar a política ambiental do Brasil, e estamos nesta etapa agora, tendo os nomes de ONGs e de quem as financia”, pondera o senador.
Plínio Valério ressalta que a equipe está fazendo uso dos relatórios da ABIN, mas pontua que muitas das informações contêm dados confidenciais - e, portanto, nem mesmo a comissão está com acesso total a nomes e localizações. “Há alguns dados confidenciais e nomes que eles omitem. Mas estamos neste momento usando para elaborar perguntas e definir ações”, detalha.
Estado paralelo
O financiamento internacional de ONGs que atuam na Amazônia chegou a ser citado pelo ex-ministro da Defesa, Aldo Rebelo, durante audiência da CPI em julho deste ano. À época, Rebelo citou a existência de um “Estado Paralelo” na Amazônia.
Apesar de não integrar a CPI das ONGs, no final de outubro o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) requereu na Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso que a ABIN ceda todos os relatórios produzidos pela agência sobre a atuação de ONGs nos últimos dez anos. Ramagem comandou a ABIN durante a gestão Jair Bolsonaro.
Na requisição, o deputado falou em "problemas enfrentados pelo terceiro setor” no País, os quais, segundo diz, “na maior parte das vezes se relacionam com pessoas de má-fé que constituem ONGs para viabilizar o recebimento de recursos (públicos e privados), mas deixam de atuar na área prometida”.
Além do consórcio integrado pelo ISA, dentre as ONGs mais atuantes na Amazônia, aponta a ABIN, encontram-se a Equipe de Conservação da Amazonia (Ecam), a World Wild Foundation (WWF-Brasil), The Nature Conservancy Amazon program (TNC), a Conservação Internacional (CI), o Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena (Iepé), a Fundação Rainforest, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), a Associação dos Povos Indígenas Waipi do Triangulo do Amapari (Apiwata), o Conselho das Aldeias Wajapi (Apina), a Associação dos Povos Indígenas do Tumucumaque (Apitu), a Associação dos Povos Indígenas de Oiapoque (Apio), e o Grupo de Trabalho Amazônico Rede (GTA). Essas ONGs atuam de forma autônoma, conjunta ou através de parcerias com órgãos públicos vinculados às temáticas ambiental e indígena no Brasil.
NA LISTA DA ABIN
Principais financiadores de ONGs na região da Amazônia
- Fundações privadas estrangeiras:
Blue Moon Foundation;
Green Grant Fund;
Charles Stewart Mott Foundation;
Bill and Melinda Gates Foundation;
Gordon and Betty Moore Foundation; e
Clinton Global Initiative.
- Fundações vinculadas a corporações:
Boticário;
Coca-Cola,
Ford;
Itaú;
HSBC;
Natura;
Nokia;
Panasonic;
Pfizer;
Rockefeller;
Shell; e
Walmart.
- Agências estatais de desenvolvimento internacional:
Estados Unidos (USAID);
Alemanha (GTZ); e
Japão (JICA).
- Organizações Internacionais:
ONU;
Banco Mundial; e
União Europeia.
- Embaixadas:
Principalmente de Reino Unido,
Noruega, Suécia,
Países Baixos,
Suíça e
Alemanha
(Fonte: Relatório de Inteligência nº 0391/82260/ABIN/GSIPR/15 out. 2012)
O Liberal
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