Fatia do Orçamento definida pelo Congresso no Brasil é 9 vezes maior que nos EUA
- Samantha Lêdo
- 5 de fev. de 2024
- 3 min de leitura
Um quinto de todos os recursos livres do governo federal neste ano foi definido por deputados e senadores. Emendas individuais, de bancada e de comissão ultrapassam R$ 44 bi
Participação das emendas parlamentares nos gastos livres do Orçamento — Foto: Editoria de Arte
Considerando apenas os investimentos propriamente ditos (como obras), os parlamentares são responsáveis por escolher 27% dos valores disponibilizados para essa rubrica no Orçamento de 2024.
Embora as despesas totais do governo somem R$ 5,4 trilhões, boa parte disso é destinada ao manejo da elevada dívida pública brasileira. Os gastos federais somam, assim, R$ 2,1 trilhões, e só há poder de escolha para menos de um décimo disso.
A despesas discricionárias (que não são obrigatórias, como salários e Previdência), são R$ 222 bilhões. São verbas para investimentos, políticas públicas e custeio da máquina estatal. No entanto, parlamentares voltaram a avançar sobre elas no primeiro Orçamento proposto por Lula.
Um quinto de todos os recursos livres do governo federal neste ano foi definido por deputados e senadores.
As verbas livres são aquelas sobre os quais o poder público pode livremente escolher sua destinação, voltadas principalmente para investimentos e custeio da máquina pública. O percentual sob poder do Congresso ganhou corpo a partir de 2020, mas vinha caindo desde então. Números do Orçamento mostram que voltou a subir neste ano, para 20%.
O nível de ingerência do Congresso brasileiro sobre os gastos públicos não tem paralelo no mundo. Para analistas, além de dificultar o equilíbrio fiscal, isso afasta os gastos federais das políticas prioritárias definidas pelos ministérios e reduz a transparência e a fiscalização da aplicação do que é arrecadado em impostos.
Congressistas podem destinar recursos da União por meio de emendas ao Orçamento, que ultrapassaram R$ 50 bilhões na peça deste ano. O montante caiu para R$ 44,6 bilhões após o veto de Lula, que desagradou parlamentares. Desse total, R$ 25 bilhões serão aplicados de acordo com emendas individuais de deputados e senadores.
Há outros dois tipos de emendas parlamentares. As de bancadas dos estados, que definiram outros R$ 11,3 bilhões, e as de comissões parlamentares da Câmara, do Senado e mistas, que indicaram o destino de R$ 11 bilhões.
Um detalhe complica mais: o governo é obrigado a executar as emendas individuais e de bancada (desde que mudanças constitucionais foram aprovadas no Congresso em 2015 e 2019), reduzindo ainda mais a margem de manobra para equilibrar receitas e despesas. Para 2024, o Congresso criou até um calendário de pagamentos dessas emendas obrigatórias, também vetado por Lula.
Hélio Tollini, especialista em contas públicas que por 30 anos atuou na consultoria de Orçamento da Câmara, na Secretaria de Orçamento do governo e em organismos internacionais, alerta que as emendas estão tomando um espaço desproporcional nos gastos federais, cristalizando uma peculiaridade negativa do Brasil:
Ineficiência na alocação
O estudo de Mendes ressalta ainda o elevado número de emendas no processo orçamentário brasileiro, o alto valor envolvido e o fato de a proposta do Orçamento já sair do Executivo com uma reserva para os parlamentares. Dessa forma, deputados e senadores não têm o ônus de cortar outros gastos para alocar recursos escolhidos por eles. O problema é que eles estão ampliando cada vez mais essa fatia.
— No fim das contas, a sociedade acaba pagando o preço. Esse conflito gera uma ineficiente alocação de recursos — diz Juliana Inhasz, professora de economia do Insper.
Sem condições de barrar a voracidade do Legislativo, o governo tenta canalizar parte dos recursos das emendas para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A infraestrutura é uma das poucas áreas em que se aproximam as prioridades do governo e as dos parlamentares, interessados em apadrinhar obras em ano eleitoral.
Por Victoria Abel, Renan Monteiro e Manoel Ventura / O GLOBO
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