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Moraes absolve Moraes: as 5 ilegalidades desse caso absurdo

Foto do escritor: Samantha LêdoSamantha Lêdo

O ministro Alexandre de Moraes, também conhecido como censor-geral da República, segundo seu cola Dias Toffoli, absolveu a si mesmo, ou livrou ele mesmo de uma possível punição.

Ministro do STF Alexandre de Moraes| Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Imagine que um juiz, depois de cometer um crime, é pego em flagrante pela polícia, que o leva para o tribunal para sua audiência de custódia. Os policiais que o capturaram se olham, orgulhosos: não é todo dia que eles apanham um peixe grande desses. Entra um servidor da Justiça na sala e grita: “Ordem no tribunal, o juiz está entrando!”. Aí o juiz criminoso, para a surpresa dos policiais, se levanta da cadeira do réu, caminha até a cadeira do juiz, senta-se nela e absolve a si mesmo do crime que praticou. Para piorar, manda prender os policiais que o flagraram cometendo o crime.


Se você achou essa cena acima absurda, então prepare-se para ficar ainda mais indignado com a realidade: algo similar - mas pior - acabou de acontecer aqui no Brasil. O ministro Alexandre de Moraes, também conhecido como censor-geral da República, segundo seu colega Dias Toffoli, absolveu a si mesmo, ou livrou ele mesmo de uma possível punição. O ministro cassou uma sentença condenatória de um juiz federal do Paraná que havia reconhecido um erro de procedimento ou abuso do próprio Alexandre de Moraes e condenado a União a indenizar em R$ 20 mil o ex-deputado paranaense Homero Marchese, do partido Novo.


Para resumir a história, o que aconteceu foi o seguinte: Moraes derrubou todas as redes sociais de Homero com base em uma informação falsa de que ele teria revelado a localização do hotel dos ministros durante uma viagem dos togados para palestrar em Nova York. Homero jamais foi notificado para se defender e só descobriu que suas redes tinham sido derrubadas por ordem de Moraes quando ligou para o gabinete do ministro no Supremo. Um mês depois dos bloqueios, Moraes reativou as contas de Homero no Facebook e no X, mas esqueceu do Instagram. Homero ficou 6 meses praticamente banido das redes sociais.


Desde há muito tempo erros judiciais, como a prisão da pessoa errada, são passíveis de indenização. Diante disso, o próprio Homero processou a União, que responde judicialmente pelos ministros do Supremo, e ganhou o caso. Mas a AGU entrou com uma reclamação no Supremo, distribuída para o próprio Moraes, para derrubar a sentença condenatória conseguida por Homero. Há nesse caso 5 flagrantes e absurdas ilegalidades:


1) Moraes jamais poderia decidir este caso, porque ele tem interesse direto em seu resultado, já que tratava da conduta dele mesmo e ele poderia vir a pagar a multa em última análise, já que a União poderia cobrar dele o valor no futuro em uma ação de regresso. O Código de Processo Penal, em seu art. 252, inciso IV, diz que o juiz não pode decidir quando ele próprio for interessado no resultado do julgamento. Ter interesse no processo é uma causa de impedimento absoluto do juiz, que torna suas decisões piores do que nulas: elas são inexistentes juridicamente.


Além disso, todo o caso gira em torno do fato de que Moraes cometeu um erro procedimental. Ao cassar a sentença que condena a União a indenizar o Homero por um erro dele mesmo, Moraes está, na prática, julgando e absolvendo a si mesmo de qualquer erro, o que, mais uma vez, viola as regras de impedimento. Mas Moraes, o Infalível,  não se declarou impedido. O ministro é expert em decidir casos que não deveria: você lembra de quando ele mandou prender duas pessoas investigadas por ameaças a ele mesmo e sua família, mas só se julgou impedido depois das prisões, que até hoje não foram revogadas?


2) O STF não tem competência para julgar a reclamação da União contra a decisão do juiz. A reclamação é uma ação que pode ser utilizada quando algum juiz ou tribunal usurpa competência do Supremo ou para preservar a autoridade de decisões da Corte. Ocorre que a sentença condenatória do juiz federal de 1ª instância não fez isso: em nenhum momento ele anulou, revogou, alterou ou interferiu em decisões tomadas por Moraes, mas apenas reconheceu um dano objetivo causado a Homero por um erro judicial e que deve ser indenizado pelo Estado.


Na reclamação, a AGU fez uma alegação fantástica: só quem pode reconhecer as ilegalidades das decisões do ministro Alexandre de Moraes é o próprio ministro Alexandre de Moraes. Pior ainda, a AGU disse que Homero só poderia pleitear o pedido de indenização dentro do inquérito das fake news, para o próprio Moraes. As alegações são esdrúxulas, ridículas e patéticas: o Supremo não tem competência para ações cíveis de indenização, e ações deste tipo jamais poderiam ser promovidas em um inquérito criminal. 


É inacreditável que a AGU tenha dito isso: as duas esferas, cível e criminal, são independentes e separadas, não se confundem. Nunca se ouviu falar em ação de indenização cível em inquérito criminal. Há ainda um outro problema: é simplesmente cômico, para não falar impossível, imaginar que Homero teria qualquer chance de sucesso se pedisse ao próprio Moraes, dentro do inquérito das fake news, que o ministro condenasse a União a indenizá-lo por erros do próprio Moraes. É óbvio que a competência para analisar este caso é, sim, da Justiça Federal da 1ª instância.


3)  Moraes está beneficiando a si mesmo, no que talvez seja a maior ilegalidade deste caso. Alexandre de Moraes e a AGU provavelmente perceberam que, com a vitória de Homero, dezenas, centenas e milhares de outras vítimas de Moraes vislumbraram um possível caminho para reparar os abusos do ministro, por meio de ações de indenização na Justiça Federal de 1ª instância. A AGU reconheceu isso ao dizer que a sentença continha o risco de “efeito multiplicador”. A possibilidade de que milhares de juízes condenassem a União no futuro por abusos de Moraes deve tê-los apavorado.


Mas é ainda pior do que isso: quando a União é condenada a indenizar alguém por erro de um agente público, ela pode cobrar o valor dessa indenização do próprio agente caso se comprove que ele agiu de maneira negligente ou intencional. Ou seja: o próprio Moraes estaria exposto a pagar centenas de milhares de reais em indenizações caso essas condenações começassem a pipocar na Justiça Federal de 1ª instância. Ao cassar a sentença que deu ganho de caso a Homero, Moraes corta este possível risco pela raiz e blinda a si mesmo, o que, obviamente, é um abuso de seu poder como juiz.


4) O ministro Alexandre de Moraes praticou uma violência contra a independência judicial do juiz federal de 1ª instância e pode ter cometido, em tese, abuso de autoridade, já que mandou o CNJ, investigar o juiz para as “providências cabíveis”, o que provavelmente significará puni-lo com todos os castigos imagináveis, como vimos o CNJ fazer de modo abusivo e ilegal contra juízes e desembargadores que atuaram na Lava Jato. O art. 27 da Lei de Abuso de autoridade considera crime “Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício (..) de ilícito funcional ou de infração administrativa".


5) Ao decidir em caso que está impedido, o que é uma situação mais grave do que a da mera suspeição, e por violar o decoro do cargo julgando em benefício próprio, Moraes comete, em tese, os crimes

Até quando nós, brasileiros, gritaremos no deserto contra esses abusos judiciais e ilegalidades monstruosas do ministro Alexandre de Moraes?

de responsabilidade previstos no inciso 2 e 5 do artigo 39 da Lei de Impeachment. Qualquer pessoa do povo pode denunciá-lo por estes crimes de responsabilidade, mas um levantamento do Estadão mostrou que, dos 77 pedidos de impeachment de ministros do Supremo no Senado, 40 são apenas de Moraes, que é até hoje blindado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. As chances de um pedido de impeachment, enquanto Pacheco estiver no cargo, são piores do que mínimas. 



Gazeta do Povo


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